Abel Mateus: a inquietação do real
O Jornal de Negócios publicou anteontem uma extensa entrevista (5 páginas) de Abel Mateus, professor universitário (FE da UNL, University College e NYU) e ex-presidente da Autoridade da Concorrência de 2003 a 2008. A entrevista foi concedida ao director do jornal Pedro Guerreiro e à directora-adjunta Helena Garrido. Em síntese temos os seguintes aspectos mais importantes:
- O cenário macroeconómico é particularmente difícil. O PIB cai este ano 3,5% ou 4%, o desemprego roça os 10% da população activa, o défice externo está entre os 8 e os 9 por cento, o endividamento externo atinge os 110% do PIB e o défice estrutural do sector público é cerca de 5% (Abel Mateus atribui a fonte destes dados à Comissão Europeia). O economista estima que os grandes investimentos atirariam o endividamento externo para 240% em 2020. O momento actual é mais difícil que em 1974 ou em 1982. No meio das desgraças o turismo é uma benção: "(...)entre 2000 e 2007 cresceu 47% em termos reais" É preciso apostar no turismo: "Temos de investir aí, na recuperação dos centros urbanos, dos monumentos, nos serviços sociais nas regiões onde há turistas. Isso é que aumenta o PIB potencial, aí é que temos de aplicar recursos de modo eficiente: economia produtiva, empresas privadas";
- A desorçamentação esconde dificuldades. "Lembro-me de quando a Drª. Manuela Ferreira Leite foi ministra das Finanças, a certa altura estava com uma dor de cabeça que era ter 700 milhões de euros para desembolsar todos os anos com o pagamento das SCUT e o dinheiro não lhe entrava". O Governo "manteve um elevado peso do sector público, com custos acrescidos para o sector privado e desvio de fundos para o sector público";
- A conjuntura difícil pode conhecer um hard landing. O "default" do Estado ou uma "grave crise financeira do sistema bancário" podem acontecer. Não se pode descartar um cenário tipo Islândia;
- A exuberância demagógica dos governos agrava os problemas. À desorçamentação (empresas públicas na saúde e nos transportes, parcerias público-privadas, cartas de conforto(?)), soma-se a fraca rentabilidade dos investimentos (exemplo dado: SCUT). Os governos apoiaram o crescimento do sector imobiliário (que alimentou o endividamento externo); em alternativa o governo poderia ter "(...) controlado a expansão do crédito, estabelecendo, por exemplo, um limite máximo do empréstimo em percentagem do valor do imóvel. (Refira-se a propósito que o governo Durão Barroso tomou a medida cíclica de permitir o aumento do prazo dos empréstimos para compra de habitação...).;
- A reforma da justiça é a primeira prioridade. Esta reforma é a mais importante que deve ser realizada. "É preciso mudar o sistema e ainda não houve uma alteração suficiente profunda. Como por exemplo retirar todos os processos de pequenas dívidas dos tribunais. Não se pode ter milhares de processos na Relação de dívidas de telemóveis!". Grassa o ambiente de impunidade. "Um caso específico: quando estava na administração do Banco de Portugal, pertenci a um conselho que encerrou um banco, a Caixa Económica Açoreana. Os processos foram entregues ao Ministério Público e, que eu saiba, nada resultou. Apesar de haver muita evidência de ter havido desvios de fundos. Isto preocupa-me muito." Na área financeiro-monetária a moeda única exige um supervisor único: "A solução que está em cima da mesa [Relatório Larosière] não é suficiente nem eficiente para prevenir uma crise financeira".
Curiosidades e notas críticas:
- O paralelismo com a Islândia aterrou na entrevista através dos lábios dos jornalistas (pergunta: "E a longo prazo? Portugal pode ser uma Islândia?", resposta: "Em 2020, se não tivermos cuidado, pode. A Islândia tinha rácios de endividamento externo claramente inferiores aos que podem ser os nossos. (Embora a Islândia tivesse o problema dos maus investimentos dos bancos no exterior.)". Luís Campos e Cunha criticou ontem este paralelismo na crónica semanal no jornal Público, visto que a Islândia tem moeda própria e não o guarda-chuva da moeda única. Acho que a crítica de Campos e Cunha é infundada e contradiz o próprio artigo que escreveu. Com efeito, com moeda única ou sem moeda única, o aumento do endividamento externo significa que uma parte crescente da riqueza produzida em Portugal desaparece para os bolsos dos investidores estrangeiros sob a forma de juros. Ora isso gera as dificuldades que Abel Mateus ou Campos e Cunha descrevem;
- Na entrevista surge pouca reflexão sobre a Autoridade da Concorrência, embora seja natural uma atitude de reserva por parte de Abel Mateus;
- "No dia em que formos capazes de prever as bolhas, elas desaparecem." A incerteza é própria da economia e a bolsa reflete isso: as bolhas nunca desaparecerão...
- Abel Mateus "ouve muito" Krugman e admira Robert Lucas, "(...) mas não evidentemente nas teorias tradicionais das expectativas racionais e quando dizia que a autoridade monetária não devia fazer nada. É um brilhante economista, mas já passou. Há agora economistas novos muito bons." Poderia ter citado dois ou três economistas "novos muito bons"...
1 comentário:
Interesante, muy interesante blog!!
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