terça-feira, 24 de abril de 2007

A poluição dos biocarburantes

Os biocarburantes, frequentemente apresentados como A solução para lutar contra o aquecimento climático, poderiam não ser a panaceia imaginada por alguns. Um especialista das ciências atmosféricas da universidade de Stanford, na Califórnia, Mark Jacobson, realizou projecções para saber qual poderia ser o impacto atmosférico de uma generalização dos biocarburantes no horizonte de 2020.

Se o conjunto do parque automóvel dos Estados Unidos for convertido ao etanol (ou seja o álcool destilado a partir de plantas), o número de mortes ligadas à poluição aumentaria cerca de 4%, de acordo com este estudo publicado na última edição da revista Environnemental Science & Technology.

Teoricamente, estes combustíveis procedentes de plantas (beterraba, milho, cana de açúcar, ou colza para diester) constituem uma das principais respostas para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa, responsáveis pelo aquecimento climático. Estima-se assim que um litro de etanol pode reduzir até 75% estas emissões, em relação a um litro de gasolina de origem fóssil. Reverso da medalha: o impacto na poluição atmosférica seria não negligenciável.

Mark Jacobson baseia as suas conclusões em várias simulações. O primeiro cenário é o de um parque automóvel americano no horizonte de 2020 inteiramente a gasolina e o segundo assente no “E85”, ou seja, um combustível constituído de 85% de etanol e de 15% de gasolina.

“Uma mistura de gasolina com uma concentração elevada de etanol apresenta um risco igual, ou mesmo maior, para a saúde pública, do que a gasolina”, indica Mark Jacobson, que acrescenta: “Em certas partes do país, a mistura “E85” provocou um forte aumento do ozono, um dos principais elementos do "smog" (mistura de nevoeiro e fumo que se forma sobre as grandes aglomerações devido à poluição atmosférica).”

Um aumento mesmo modesto do ozono na atmosfera pode originar um aumento dos casos de asma, e um enfraquecimento do sistema imunitário. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mais de 800.000 pessoas morrem anualmente no mundo devido ao ozono e à poluição atmosférica.

Estes dados confortam o campo dos cépticos sobre as virtudes dos combustíveis de origem vegetal. Recentemente, duas ONG recordavam em Madrid, aquando de um colóquio sobre biocarburantes, que estes “fazem pesar ameaças sobre a conservação das florestas tropicais, sobre o clima e sobre a segurança alimentar”, devido ao crescimento “das monoculturas intensivas nas zonas mais vulneráveis e ecologicamente mais frágeis do planeta”. O preço a pagar para retardar o aquecimento climático?

Stéphane Lauer, "Les biocarburants polluent aussi", Le Monde, 24 de Abril de 2007.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

A quota de mercado das exportações...

As exportações portuguesas de mercadorias continuaram, em 2006, a perder quota de mercado mundial, e ficaram, deste modo, ao nível mais baixo dos últimos 20 anos, atestam as estatísticas publicadas no final da semana passada pela Organização Mundial de Comércio (OMC).

Os primeiros dados disponibilizados por esta organização para o ano de 2006 colocam o peso da economia portuguesa nas exportações mundiais em 0,359 por cento, um valor que é ligeiramente inferior ao de 2005 (0,364 por cento). Foi o terceiro ano consecutivo de quebra deste indicador e que colocou a quota nacional no valor mais baixo desde 1986.

Apesar de o ano passado ter ficado marcado por um desempenho muito forte do sector exportador português, tal não foi suficiente para acompanhar totalmente a explosão das trocas comerciais que se continuaram a verificar em todo o globo.

De acordo com os números da OMC, as exportações portuguesas de bens (para os serviços ainda não há dados disponíveis) cresceram em 2006 a uma taxa de 13,4 por cento em termos nominais - uma das maiores das últimas décadas. O problema é que as exportações totais realizadas no globo aumentaram durante o ano passado a uma taxa superior a 15 por cento, mantendo o ritmo elevado que se tem registado nos últimos anos.

Aliás, a perda de importância relativa das exportações de mercadorias portuguesas no comércio internacional foi, em 2006, um fenómeno que teve paralelo em quase todas as economias consideradas mais desenvolvidas. Dos Estados Unidos à Alemanha, passando pela vizinha Espanha, os países mais ricos do mundo perderam quota de mercado, dando espaço a outros actores, principalmente os provenientes do continente asiático
[...].

Para Portugal, fica a consolação de, neste cenário, se ter registado, durante o ano passado, uma perda de quota substancialmente mais baixa do que em anos anteriores.

Ao longo da história económica da segunda metade do século XX e do início do século XXI, Portugal registou duas grandes fases de acréscimo da sua presença nas trocas comerciais mundiais. A primeira ocorreu entre 1961 e 1973, período durante o qual a quota de mercado passou de 0,24 por cento para 0,31 por cento. Na origem deste resultado esteve a adesão à Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) em 1963 e a consequente entrada de várias multinacionais que aproveitaram a mão-de-obra barata portuguesa para instalar unidades de produção destinadas à exportação.

Entre 1981 e 1992, a quota voltou a disparar, atingindo o seu máximo nos 0,49 por cento. A adesão à União Europeia e as políticas de abertura do país à economia mundial explicam este resultado.

Desde esse momento, no entanto, a tendência tem sido de descida da quota, com o país a revelar dificuldades em enfrentar a entrada no mercado mundial de vários países que concorrem directamente em indústrias trabalho intensivas.


Sérgio Aníbal, Vendas a nível mundial subiram mais do que em Portugal - Exportações perderam quota em 2006, Jornal Público, 17 de Abril de 2007, disponível on-line em http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1291364.

Perguntinhas
a) Qual foi a quota de mercado das exportações portuguesas de mercadorias em 2006? Qual é a razão que o autor do texto aponta, para o recuo deste indicador?
b) Resuma as diferentes fases de evolução deste indicador da competitividade da nossa indústria, ao longo das últimas décadas.
c) Actualmente o Euro encontra-se muito forte, visto que tem uma cotação superior a 1,3 dólares americanos [desde que foi criado em 1 de Janeiro de 1999 o Euro atingiu o valor mais alto em 30 de Dezembro de 2004, tendo cotado 1,3666 dólares. Diz-se comummente que o Euro está forte quando tem uma cotação superior a 1,2 dólares, e que está fraco quando a sua cotação anda por volta de 0,8 ou 0,9 dólares]. Discuta os efeitos da actual conjuntura do câmbio do Euro sobre o comércio externo português.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

As exportações de calçado português - Boas notícias!

O calçado português está a reforçar a sua presença no estrangeiro. No ano passado, as exportações aumentaram 2,5 por cento, para 1,3 mil milhões de euros. Os dados provisórios do Instituto Nacional de Estatística revelam ainda que o preço médio do calçado vendido ao estrangeiro subiu três por cento, para os 18,28 euros.

"É o segundo maior preço médio, a seguir à Itália, o que revela que Portugal se tem posicionado no segmento do calçado de qualidade em couro", congratulou-se Paulo Gonçalves, porta-voz da APICCAPS, associação representativa do sector.
As exportações cresceram sobretudo para os 25 países da União Europeia. Depois de alguns anos mais negativos, Portugal conseguiu, em 2006, colocar 59 milhões de pares de calçado nesse mercado, no valor de 1,1 mil milhões de euros. É um crescimento de três por cento relativamente a 2005. A França continua a ser o principal destino do calçado português, tendo absorvido 321 milhões, ou seja, mais nove por cento do que no ano anterior. Segue-se a Alemanha, onde as vendas de calçado português aumentaram em oito por cento. Em Espanha, o calçado português atingiu um máximo histórico, com as vendas a subir até aos 97 milhões de euros. "É um aumento de 14 por cento, resultado da aposta que temos feito naquele mercado", sublinhou o porta-voz da APICCAPS.
Nos últimos dois anos, o sector investiu 13 milhões de euros na presença em feiras internacionais. Aliás, oito fabricantes portugueses de calçado estão até amanhã na Rússia, a participar numa feira internacional. E o regresso ao mercado russo tornou-se, de resto, uma das apostas fortes do sector. "Pode voltar a ser um dos mercados mais importantes para o calçado português", sustenta o porta-voz da APICCAPS. Em 2006, Portugal exportou calçado no valor de 14 milhões de euros para a Rússia, numa subida de 18 por cento relativamente a 2005. E, entre os 140 milhões de russos, emerge agora uma classe média com apetência pelos produtos da Europa Ocidental.
Em sentido contrário, registaram-se decréscimos nas vendas para o Reino Unido (baixou nove por cento, para os 157 milhões de euros) e para os Estados Unidos (uma quebra de 31 por cento para os 22 milhões de euros). Explicação: "A valorização do euro face às outras divisas", adianta Paulo Gonçalves.
Ao nível das importações, registou-se um aumento de 11 por cento, para os 318 milhões de euros. O preço médio do calçado importado é inferior ao exportado, fixando-se nos 7,72 euros.

Natália Faria, Exportação de calçado português aumentou 2,5 por cento em 2006, Público, 5 de Abril de 2007, p. 36

Perguntinhas
a) Qual foi o valor das exportações de calçado em 2006? E em 2005?
b) Qual é o peso das exportações para a UE, no total das exportações de calçado? Quais são os principais destinos?
c) Calcule o saldo da balança comercial para o sector do calçado. Como interpreta a disparidade entre os preços médios do calçado importado e o exportado?
d) Utilizando o circuito económico, discuta a importância do aumento recente das exportações de calçado.
e) Qual é o desafio que o Euro coloca aos nossos exportadores?

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Endesa, E.ON, Acciona, Enel... Fusões e aquisições

A Europa da energia tornou-se o campo de batalha dos "patriotismos económicos". Há um ano, o chefe do governo francês, Dominique de Villepin, recusou a compra de Suez pela italiana Enel e respondeu com o contra-fogo da fusão Suez-Gas de France. Desde Fevereiro de 2006, o seu homólogo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, põe a mesma determinação a rejeitar a OPA do gigante alemão da energia E.ON sobre o grupo madrileno Endesa.

Zapatero forneceu uma nova prova, quarta-feira 28 de Março, decidindo que a Sociedad Estatal de Participaciones Industriales (SEPI) não cederia à E.ON os 2,95% que detém da Endesa. Acrescentados aos 21,03% do grupo de construção e obras públicas ibérico Acciona e aos 24,9% de Enel, que anunciaram uma contra-OPA conjunta, são por conseguinte 48,9% da principal eléctrica espanhola que escapam doravante ao apetite da E.ON, reduzindo as suas esperanças de conseguir o controlo maioritário de Endesa.

José Zapatero bem pode afirmar que o seu governo é "neutro"... ele começou por privilegiar a OPA (22 mil milhões de Euros) lançada em [5 de] Setembro de 2005 pela catalã Gas Natural para criar o grupo à escala europeia que falta a Espanha. Depois da contra-ofensiva de E.ON, cuja oferta passou de 29,1 mil milhões feita em [21 de] Fevereiro de 2006 para 42,3 mil milhões, ele tudo fez para barrar a estrada aos alemães: limitação de direitos de voto e de participações na Endesa, prazos muito longos para lançar operações de contra-OPA…

A Comissão Europeia e o Partido Popular (direita) suspeitam mesmo o chefe do governo socialista de ter feito um acordo secreto com o Presidente do Conselho italiano, Romano Prodi, para abrir a via à Enel. Roma não abrandou a sua posição sobre dois processos que incomodavam o orgulho dos italianos - a compra do operador de auto-estradas Autostrade pelo grupo de construção e obras públicas ibérico Abertis e a entrada da Telefonica espanhola em Telecom Italia?

Estas operações irritaram prodigiosamente Bruxelas. "Alguns espanhóis não estão conscientes do facto que devem respeitar a lei", declarava a Comissária Europeia da Concorrência, em meados de Março, ao diário espanhol El Pais. Neelie Kroes passou aos actos, quarta-feira, levatando uma queixa contra Madrid no Tribunal Europeu de Justiça, no Luxemburgo, para que sejam suprimidos "imediatamente" os obstáculos "ilegais" postos no caminho de E.ON.

Não é demasiado tarde para os alemães? O CEO de Enel alardeava um sólido optimismo, quarta-feira, sobre a hipótese de sucesso da sua oferta sobre a Endesa, parecendo persuadido que "E.ON não excederá os 50%". "Vamos lançá-la [a contra-OPA] o mais depressa possível", declarou Fulvio Conti, ao apresentar os resultados do seu grupo em Londres (3 mil milhões de euros). "E, espero, antes dos seis meses impostos pela CNMV ", a autoridade espanhola dos mercados financeiros.

Jean-Michel Bezat, "Electricité entre Madrid et Berlin", jornal Le Monde, 30 de Março de 2007.

Perguntinhas
a) Quais são as empresas que estão no terreno, para conseguir a propriedade da espanhola Endesa?
b) Por que razão o "patriotismo económico" é combatido pela Comissão Europeia se, afinal de contas, evita alguma concentração da propriedade?

Adenda
A 2 de Abril de 2007 o grupo de energia alemão E.ON anunciou a renúncia à oferta de 42,3 mil milhões de Euros sobre a Endesa, tendo estabelecido um acordo com as empresas Enel e Acciona, que prevê a compra de activos a essas empresas num valor de 10 mil milhões de Euros, relativos a actividades desenvolvidas em Espanha, Itália e França, além da Polónia e da Turquia. Ou seja, a E.ON renunciou à compra da Endesa, mas já garantiu um quinhão de participações.