quarta-feira, 11 de julho de 2007

O Euro vai destronar o dólar?

Os Estados Unidos devem em grande parte a sua predominância no mundo da finança internacional ao estatuto do dólar como moeda de referência. Os compromissos da América em prol da economia liberal, do Estado de Direito e da estabilidade monetária conferem credibilidade ao dólar como reserva de valor. Mas os hábitos de consumo dos americanos têm minado a reputação do dólar, ao mesmo tempo que o excesso de oferta de dólares nos mercados mundiais tem diminuído o seu valor. O euro atingiu esta primavera [em Abril de 2007] uma cotação recorde em relação ao dólar, e os bancos centrais aumentaram a proporção da moeda europeia nas suas reservas em divisas internacionais. O dólar estará no ponto de perder o seu título de rei da finança mundial em proveito do euro?

Os precedentes históricos sugerem que não é o caso, apesar da vulnerabilidade actual do dólar.

A supremacia da moeda americana no século XXI aparenta-se à situação do Reino Unido na finança mundial há um século. Antes do início da Primeira Guerra Mundial em Agosto de 1914, a libra esterlina era a moeda correntemente utilizada para as transacções internacionais, como o dólar é-o hoje, e os investidores do mundo inteiro visitavam a City de Londres para obter capitais.

O economista britânico John Maynard Keynes temia que as nações cessassem de utilizar a libra para pagar as suas transacções internacionais se a divisa inglesa não fosse vista como uma reserva de valor segura. “O futuro da City”, de acordo com Keynes, dependia da capacidade da libra esterlina continuar a servir o mundo dos negócios como equivalente ao ouro. O Reino Unido manteve a convertibilidade da sua moeda em ouro até ao início do conflito mundial para preservar a sua credibilidade como meio de pagamento internacional.

O dólar não podia pôr em causa o papel da libra esterlina como moeda internacional sem igualar o seu prestígio. Agosto de 1914 forneceu a ocasião. A mais importante perda de ouro numa geração pôs em perigo a capacidade dos Estados Unidos de honrar as suas dívidas com o exterior. O temor que os Estados Unidos abandonassem o padrão-ouro provocou um desmoronamento do dólar nos mercados mundiais.

Mas o Secretário do Tesouro, William G. McAdoo, salvou a honra financeira da América em Agosto de 1914 continuando a ser fiel ao padrão-ouro, apesar de todos os países, com excepção do Reino Unido, terem abandonado as suas obrigações de convertibilidade. Apesar da credibilidade instantânea concedida ao dólar, foi necessário mais de uma década para a divisa americana se equiparar à libra esterlina como um meio de pagamento internacional. Os hábitos de pagamento alteram-se à mesma velocidade que funde um glaciar.

A transformação do Reino Unido, de credor internacional em devedor internacional durante a Grande Guerra, deu ao dólar um segundo fôlego na sua competição com a libra. Em Abril de 1919 os Britânicos foram forçados a abandonar a convertibilidade em ouro - uma retirada táctica que tinha por objectivo preparar o regresso à antiga paridade de 4.8665 dólares por libra. Seis anos mais tarde, em Abril de 1925, o Reino Unido confirmava a sua credibilidade monetária, regressando ao padrão-ouro. Mas a libra esterlina já tinha sofrido prejuízos irreparáveis.

O exemplo de 1914 mostra que uma alternativa credível pode substituir uma moeda internacional entrincheirada, sobretudo depois dela ter sido enfraquecida por uma balança comercial deficitária. Mas mesmo neste caso, destronar a moeda soberana das trocas internacionais toma tempo.

Hoje, o euro - uma divisa que não depende de um só país - não tem um historial de credibilidade. Treze países da União Europeia utilizam o euro. Mas o compromisso destas entidades políticas independentes para com o euro não é comparável ao compromisso dos Estados Unidos para com o dólar.

O Banco Central Europeu, estabelecido em 1998, tem um mandato para gerir o euro de maneira a manter a estabilidade dos preços. Mas o BCE necessita de tempo para obter as suas credenciais relativamente à luta contra a inflação. Não pode aproveitar a boleia do ouro, como os Estados Unidos fizeram há um século. A moeda única europeia deve assim construir a sua reputação, vencendo as crises que surjam, para pôr em causa a predominância do dólar como instrumento de predilecção nas transacções internacionais.

O desempenho recente do euro como moeda de reserva oficial é instrutivo. Entre 2000 e 2005, o dólar perdeu mais de 25 por cento do seu valor face ao euro. No mesmo período, a fracção das reservas internacionais detidas em euros passou de 18 para 24 por cento, e a parte do dólar caiu de 71 para 66 por cento. Embora a moeda europeia tenha progredido manifestamente durante este período de défices da balança de pagamentos americana, esta evolução constitui mais um declínio da posição do dólar do que uma mudança revolucionária de regime.

O que é o que poderia provocar uma tendência fatal ao dólar nos mercados mundiais? Embora uma venda maciça e inesperada de dólares por detentores estrangeiros importantes - como a China, por exemplo - pareça improvável, um acontecimento devastador, análogo à Grande Guerra de 1914, poderia levar a procurar um novo instrumento monetário internacional. Nesta época de pagamentos automatizados, uma perturbação poderia ser provocada por um ataque terrorista que destruísse as capacidades de transferências informatizadas do sistema bancário mundial. A perda catastrófica dos dados informáticos poderia certamente arruinar a credibilidade do dólar como o meio de pagamento internacional.

A pergunta põe-se, no entanto, de qual seria a divisa que substituiria o dólar naquelas circunstâncias. Com efeito, o desaparecimento dos dados informáticos seria igualmente prejudicial ao euro. Talvez o ouro, uma reserva de valor insensível aos riscos físicos, poderia fazer o seu grande regresso. Obviamente, podemos apenas esperar que este cenário permaneça uma pura conjectura.


William L. Silber, "Will the Euro Dethrone the dollar?", Project Syndicate, Julho de 2007 (disponível em http://www.project-syndicate.org/ ).

terça-feira, 3 de julho de 2007

Quem manda no Euro?

Para construir aviões na Europa é necessário depreciar o euro, explicou Nicolas Sarkozy, sábado dia 23 de Junho, na feira Bourget: “Peço para fazer com o euro o que fazem os americanos com o dólar, os chineses com o yuan, os japoneses com o iene, os ingleses com a libra.” O presidente francês, aliás, estará presente no próximo ECOFIN, o Conselho de Ministros das finanças da União Europeia (UE), a 10 de Julho. Entre os assuntos que conta abordar: “Não se pode ser a única zona do mundo onde a moeda não é posta ao serviço do crescimento.”

Sarkozy poderá impor aos outros membros da zona euro, maioritariamente preocupados com a ortodoxia monetária, uma estratégia de depreciação do euro? Alguns, como a Alemanha, adaptam-se melhor ao seu valor, através de um acréscimo de competitividade. “As ideias de Nicolas Sarkozy sobre o euro são interessantes, mas para utilizar o euro como ele deseja é necessário realizar em primeiro lugar a Europa fiscal e política…”, nota Sylvain Broyer, economista em Natixis.

No entanto os ministros das finanças europeus tentaram, nos últimos anos, ter mais voz nesta matéria, face ao presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, que afirma regularmente: “Sr. Euro, sou eu.“ A ambiguidade é que, nos termos do artigo 111.2 do Tratado de Amesterdão, “as orientações gerais de câmbio” incumbem ao ECOFIN - no qual os ministros das finanças da zona euro formaram um Eurogrupo -, mas não somente: o BCE deve primeiro emitir uma recomendação ou deve ser consultado com base numa recomendação da Comissão Europeia.

Para que o poder político ganhe mais peso, “teria sido melhor criar um ministro dos assuntos económicos da UE em vez de um ministro dos negócios estrangeiros (no tratado simplificado adoptado a 23 de Junho), pelo menos para gerir os dossiers das políticas comuns dos quais faz parte evidentemente o câmbio”, considera Jean-Pierre Patat, conselheiro do Centro de estudos prospectivos e de informações internacionais (Cepii) e antigo Director-Geral do Banco de França, responsável dos estudos e das relações internacionais.

Mas as "orientações de câmbio” estão, de qualquer modo, muito enquadradas: não devem afectar “a manutenção da estabilidade dos preços”, diz o artigo 111.2, [e] uma depreciação monetária aumenta os preços das importações. Impor um objectivo de câmbio preciso poderia ameaçar a independência do BCE sobre as taxas de juro. Ora “Sarkozy disse que não pedia uma mudança de mandato do BCE e que não queria tocar na (sua) independência", recordou Trichet quinta-feira dia 7 de Junho.

No sistema de câmbios flutuantes que governa as grandes moedas – excepto o yuan – os bancos centrais coordenam-se apenas para corrigir as situações extremas, julgadas aberrantes, por intervenções excepcionais e concertadas no mercado cambial: em Setembro de 2000, o BCE e a Reserva Federal americana compraram assim euros e venderam dólares, para arrebitar a moeda única, caída a 0,89 dólares.

No entanto o Banco do Japão escolheu outra via, enfraquecendo a sua divisa por intervenções unilaterais e repetidas no mercado cambial, com taxas de juro muito baixas e com um discurso desencorajando o uso do iene como moeda de reserva. Mas o Arquipélago Japonês foi confrontado com o caso particular de um longo período de deflação. “A zona euro não tem interesse em desencorajar a continuação de um uso crescente do euro como moeda de reserva, que é natural. O peso do euro é a única razão que conduziria os Estados Unidos a ter uma política mais cooperativa a seu respeito: o mercado obrigacionista europeu, mesmo fragmentado, é o único a disputar os mesmos recursos que o dos Estados Unidos ", considera Patat. Será difícil, para Sarkozy, afrouxar o torno.


Adrien de Tricornot, "Euro: le rêve d'une dépréciation compétitive", jornal Le Monde, 3 de Julho de 2007, p. II do suplemento de economia.